Dá Pedal

Toda e qualquer pedalada tem um começo e um destino. Mas sempre tem um desafio. Pode ser uma montanha, uma serra, a chegada triunfante numa cachoeira. Ir de encontro ao mar. Portanto existem múltiplas razões para irmos a algum lugar, podendo até estar misturados alguns ingredientes, como por exemplo, turismo, prática esportiva, contemplação de paisagens, história, culto a alguma alusão religiosa, etc.
Mas sempre o prazer de pedalar. E com a sensação deliciosa de nos locomovermos num veículo que não degrada o meio ambiente, não polui e nos deixa com uma ótima qualidade de vida.
A marca, a idéia do nome e do próprio blog foi de um grande amigo, o publicitário Sergio Quadros. Como já sou quase sexagenário, meu apelido é "Velho" e o nome "Dá pedal" faz alusão à uma expressão muito usada insinuando que alguma coisa pode dar certo. A arte da marca, que achei sensacional, foi me dado de presente por ele, e tem como moldura uma coroa da bicicleta, mas deixando passar também a mensagem do coroa que está na foto, permitindo a todos se sentirem capazes de pedalar.
Ou seja, " Dá Pedal !!"

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

L'etape du Tour de France 2008






L’Etape do Tour de France

O continente europeu é certamente o lugar onde vemos o uso da bicicleta com maior interferência (positiva) na vida do cidadão. Em muitas cidades (por exemplo, Amsterdam) as ciclovias estão presentes em quase todos os bairros e, mesmo nos meses frios, vemos as pessoas circulando pela cidade para trabalhar, passear e fazer compras, pois é muito comum bicicletas com cestos para cargas pequenas e os bicicletários estão presentes em quase todas as esquinas, estabelecimentos comerciais e públicos.
O que impressiona muito é o respeito que pedestres e principalmente motoristas em seus bólidos têm pelos ciclistas. Em Paris, aluguei várias vezes as super-práticas bicicletas de aluguel (VELIB) e lá se pedala em todos os cantos, mesmo onde não há ciclovias e compartilhamos as ruas com os automóveis. Uma vez eu estava numa avenida de grande movimento (a famosa Champs-Elisées) e precisava cruzá-la para dobrar à esquerda. Sinalizei com o braço e tive caminho livre com os carros diminuindo a marcha, me dando passagem. Logicamente fiz isso após observar atitudes semelhantes dos locais. É sensacional! Como também é sensacional ver os ciclistas observar plenamente as leis de trânsito. Não tem como não me espantar ver um ciclista parar ao sinal vermelho, às 2 da manhã, sob uma garoa fria. E não foi uma exceção, isso é a regra.
Quando estive na Espanha para fazer o Caminho de Santiago, resolvi fazer um desvio e utilizei uma estrada asfaltada de mão dupla durante alguns quilômetros. Aquela mesma rotina: asfalto lisinho, acostamento largo e sinalização perfeita. Causou-me espanto que os carros no mesmo sentido me ultrapassavam lá pela outra pista, como se eu estivesse na pista normal de rolamento. Após perceber tal atitude, passei a observá-los com mais atenção: quando se aproximavam de mim, acionavam a luz de direção, passavam para a contramão e voltavam a sinalizar para retornar à pista normal. Isso tudo mesmo se eu estivesse ocupando a parte do acostamento mais distante possível da estrada. Um deles repetiu o procedimento padrão, mas como vinha um carro em sentido contrário, reduziu a marcha e só me ultrapassou (lá pela contramão) quando o outro veículo passou.
Na Alemanha não é diferente. Uma vez conversei com um motorista que me cedeu a passagem de forma acintosa, que me disse a razão do seu enorme respeito. Primeiro que também usa muito sua bicicleta, principalmente em pequenos trajetos e tem plena consciência do quanto é bom esta atividade para a nossa qualidade de vida. E que as leis de trânsito são tão rigorosas e as penalidades são tão altas que o que ele menos quer na vida é atropelar um ciclista.
Conclusão: sinto uma enorme inveja disso!

Não se pode pensar em ciclismo sem mencionar as grandes voltas européias. As mais charmosas e mais badaladas são o Tour de France e o Giro d’Italia. São competições profissionais com duração de quase um mês, com grande cobertura da mídia e que aglutinam uma quantidade para nós absurda de pessoas pelos lugares por onde passam, que vão às ruas ver, torcer e incentivar os atletas coloridos pelos uniformes da várias equipes, sem contar nas milhões de pessoas que assistem pela TV as provas ao vivo.
A organização dessas duas “voltas” no intuito de saciar o desejo dos milhares de ciclistas amadores espalhados mundo afora organiza uma etapa só para eles, com o mesmo percurso realizado pelos profissionais. Assim, alguns dias antes desses, e enquanto estão em outra localidade, as ruas, estradas e montanhas são invadidas pelos aficionados anônimos que, ao invés dos altos salários e a enorme estrutura das equipes, viajam milhares de quilômetros e ainda pagam para pedalar. E se estamos acostumados a achar que uma prova ciclística por aqui está muito concorrida com 1000 atletas, essas etapas, esgotam em menos de uma semana as 9000 vagas disponíveis.
Durante uma pedalada por algum dos muitos belos percursos de Nova Friburgo, em meados de 2007, um amigo, o dentista e ciclista Orlando Mielli (atualmente diretor de maratonas da Federação de Ciclismo do Rio de Janeiro) me propôs:
- queria te fazer uma proposta indecorosa: vamos ao l’etape do Tour ano que vem?
Bem, não foi exatamente uma proposta indecorosa, pois eu já tinha vontade de ir. Por isso topei na hora.
Daí em diante começamos a procurar as empresas que agenciam os interessados. Hoje em dia (posso estar enganado!) são duas Agencias de Turismo que conseguem pré-reserva de vagas para brasileiros na inscrição: a Kamel Turismo (RJ) que leva os ciclistas liderados por Walter Tuche e a Tambaú Turismo, cujos atletas vão sob a liderança de Cleber Anderson (Anderson Bicicletas – SP). Fizemos a pré-incrição, já sabendo que a etapa começaria em Pau, no sul da França e terminaria no alto da Hautacam, passando pelo majestoso, mítico e temido Tourmalet (ambas as montanhas fora de classificação – hors serie), num total de 169 quilômetros.
A inscrição foi só o inicio de tudo. Era preciso treinar, treinar e treinar. Mais do que eu já pedalava. Eu já era aluno da Rio Saúde, assessoria esportiva do Roberto Tadao (Dum), portanto, relatei meu objetivo para o ano que viria e meu treinamento foi direcionado para julho de 2008, exatamente no dia 6, quando eu deveria estar pedalando pelos Pirineus. O Orlando contratou a assessoria do Alan Inoue, o Japa (Nova Friburgo) e também passou a receber as planilhas para treinamento.
E foi o que fizemos: pedalar, pedalar e pedalar. Nas horas vagas trabalhar , para poder continuar “patrocinando” nosso hobby.
Já em abril de 2008, após milhares de quilômetros pedalados, tive uma pedra, aliás, uma pedreira no caminho: dengue hemorrágica. Depois do risco que tive, com as plaquetas sanguíneas lá em baixo, causado por um infeliz mosquito, certamente parceiro dos políticos ineptos que temos, fiquei mais de um mês sem encostar as mãos na bicicleta. E com uma prova tão dura pela frente, alguma dívida teria que ser paga no futuro. Mas lentamente voltei aos treinos e fui ganhando confiança e voltando gradativamente ao condicionamento físico.
Viajamos para a França com um grupo de 36 brasileiros, do Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia, São Paulo, Campinas, Curitiba, João Pessoa, São Luiz e Vitória. E logo no primeiro dia parecíamos amigos há muito, pois o ambiente descontraído foi a tônica durante todo o período, favorecido pelo lindo lugar que ficamos, um aconchegante hotel em Argelez-Gazost, uma pequena cidade aos pés dos Pirineus. Nos dias iniciais continuamos nossas pedaladas pelas estradas do sul da França, conhecendo lindos lugares, sempre espantados com a deferência com que os motoristas nos dispensam.
Dois dias antes da prova (sexta-feira) voltamos a Pau para retirar os kits do atleta, debaixo do sol forte, anunciando o que é contumaz no L’Etape du Tour: calor extremo do verão francês, que sempre causa muitas desistências e muitos atendimentos nos postos médicos. Mas nós acreditávamos que o treinamento tinha sido correto, já que sempre treinávamos sempre que possível na hora mais quente dos dias no nosso fraco inverno. Portanto, segundo nossa avaliação, estávamos preparados para a sauna francesa, até porque calor no Rio de Janeiro não é novidade.
Porém, no dia seguinte, véspera da prova, uma frente fria fez a temperatura despencar e a chuva fina constante era o prenuncio que tudo seria bem molhado. E foi exatamente sob chuva, mas forte, e frio que acordamos às 4 da manhã para nos juntarmos aos outros 9000 ciclistas que, por mais de uma hora esperou pacientemente debaixo da mesma chuva, soar o sinal de largada, às 7 horas da manhã.
Os primeiros 70 km foram de muita água. Ela vinha de cima intensamente e de baixo, levantada pelos 18000 pneus. Eu e o Orlando combinamos de fazer a prova juntos, apesar de ele ser mais rápido do que eu, pois por ser uma prova com duração estimada de 10 horas, ter companhia é muito bom. Íamos trocando de pelotão em pelotão, mantendo uma boa média horária. Mas fui surpreendido por um furo no meu pneu dianteiro, mais ou menos no km 60. Fiquei extremamente irritado, já que havia feito investimento num pneu (caro) sem câmara e mais resistente a furos. Devido ao frio, fiquei todo enrolado para realizar o conserto que, somado ao fato de ver uma multidão de ciclistas nos passando, minha irritação quase se transforma num “piti”. E aí foi fundamental a ajuda do Orlando, que acabou fazendo o reparo no pneu. Mas perdemos muito, muito tempo mesmo.
Chegamos então na base no Toumalet encharcados e preocupados com a tempo de corte, já que quase no topo da montanha, teria uma cancela pronta para barrar quem não estivesse dentro do tempo máximo. O jeito era apertar o ritmo, que ia ficando cada vez mais duro e cada vez mais frio. Perto do cume, a visão de alguns atletas sendo atendidos com hipotermia, a chuva fina, o frio, a falta total de paisagem causado pelo denso nevoeiro, o cansaço e, no meu caso, a dívida que eu tinha contraído por causa da dengue hemorrágica, foram decisivos em me esgotar as forças. Parei!
O Orlando quando se viu sozinho, voltou a minha procura e queria diminuir o ritmo para continuar comigo. Mas fui incisivo que se assim ele o fizesse, eu pararia em definitivo. E aí os dois seriam cortados. Portanto, o convenci de continuar.
Descansei um pouco e voltei a pedalar. Cheguei no topo dos 2115 m do Tourmalet, com a temperatura em torno dos 2 C e passei pela cancela ainda no tempo. Comecei a descida fatigado e sentindo muito frio. Como não conseguia acionar os freios corretamente por causa da mão quase congelada para controlar o dowhill de 30 km, parei mais uma vez tentando me aquecer. Nessa decidi:
- chega! Vou descer bem devagar e me dirigir ao hotel para um banho bem quente.
Porém, à medida que ia descendo a montanha, a temperatura ia subindo e por causa da ausência da chuva naquele momento, a sensação térmica de frio diminuiu significativamente, revogando minha decisão de parar. Voltei a pedalar forte. Cheguei na base do Tourmalet e entrei num pequeno pelotão para me ajudar a vencer os 5 km que nos separavam da base dos 15 quilômetros de subida para o Hautacam.
Mas entre a minha determinação em prosseguir e a subida da montanha havia outra cancela, agora fechada pelo tempo limite que me impediu de subir. Não posso dizer que foi uma grande frustação, pois o banho de banheira quente no meu hotel, não muito longe dali estava delicioso e reparador.
O Orlando chegou ao final e depois desceu (quase congelado) triunfante o Hautacam. O que ocorreu também com os outros brasileiros. Porém além de mim, três outros patrícios não conseguiram concluir e foram vencidos pelo Tourmalet, sendo que a única mulher, Alessandra, foi vencida pelo frio quase no topo da montanha.
No dia seguinte, com todo mundo já descansado e limpo, fui convidado a comparecer no quarto de hotel do Cleber Anderson e o Pedro Pires. Fizeram uma “solenidade” e me entregaram a medalha de finisher, já que venci a montanha mais alta. Claro que a guardo com carinho e até hoje não sei se um deles abdicou da sua medalha ou se conseguiram uma reserva. O importante é que está bem visível no meu escritório, me fazendo lembrar deles, da turma, da viagem e que ainda preciso buscar eu mesmo uma igual.


* * *

A ida para uma prova como esta não é um programa barato, pois o investimento com a passagem aérea, o hotel, alimentação e a própria inscrição promovem uma erosão considerável nas nossas reservas. Mas não há dúvida que o desafio é atraente e vale à pena. Ainda mais se somarmos o fato de sempre pedalarmos por lugares muito bonitos nos dias que precedem a prova como parte do treinamento final e adaptação ao fuso horário e também pela possibilidade e assistir etapas do Tour de France com os profissionais (geralmente incluídos no pacote turístico) e, junto com milhares de aficionados, ciclistas ou não, fazer parte da história do ciclismo.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Caminho de Santiago






Caminho de Santiago (Caminho Francês)

A internet está recheada de relatos e dicas sobre o Caminho de Santiago, tanto para caminhantes quanto para quem pretende ir de bicicleta. Portanto, não há muito mais o que dizer sobre ele e por isso vou me ater a detalhes que julgo importantes para que se consiga pedalar pelo Caminho sem problemas, já que o fiz, em companhia do meu filho Marcelo, em julho de 2007.
O Caminho de Santiago, além da natureza religiosa ou mística, é lindo, super sinalizado, passa por cidades medievais super bem preservadas e mesmo naquelas que cresceram, guardam a parte antiga com muito carinho e é exatamente por onde são cortadas pelo Caminho.
Ganhamos então um banho de história e de respeito ao ciclista. Portanto, considero que deve ser sempre colocado nos planos de quem gosta de pedalar. Logicamente a travessia de lugares tão antigos, com tanta história, onde ouvimos inúmeros relatos de superação e fé, evidentemente promove uma introspecção mesmo nos mais incrédulos. Mas também erra quem pensa que se trata de uma peregrinação pura e simples, pois até na missa do peregrino (todos os dias ao meio-dia), que lota desde cedo a Catedral de Santiago de Compostela, vemos as máquinas fotográficas a todo vapor, principalmente no ritual em que o “Fumeiro” é movimentado na nave central e voa sobre as cabeças dos fiéis soltando a fumaça típica com um cheiro muito gostoso.
Erra também quem pensa que vai realizar apenas um passeio de bicicleta ou que busca tão somente a prática esportiva, pois não há como se encantar e se inebriar com tanta história.
A primeira coisa a fazer após a decisão de realizar o Caminho é visitar o site da Associação Brasileira dos Amigos do Caminho de Santiago – AACS Brasil (www.caminhodesantiago.org.br) . Lá se encontra tudo. Mas tudo mesmo! E ainda tem a oportunidade de conhecer um monte de gente interessante, que já fez o Caminho (alguns muitas vezes) e nos fornece dicas importantíssimas. Lá também obtemos informações como conseguir a “Credencial do Peregrino”, que é nosso passaporte para todos os abrigos.
Se ainda ficar alguma dúvida, seguem algumas dicas:
- pense bem na companhia que vai ter ao lado. Depois de alguns dias o cansaço, a falta de conforto e a distância podem tornar qualquer relacionamento difícil, onde pequenos conflitos podem se tornar grandes problemas. Se não for uma pessoa de muita intimidade, melhor ir sozinho. Aliás, só nunca estaremos, pois encontramos com muita, mas muita gente no Caminho, das mais variadas nacionalidades. Dessa forma, estar acompanhado não deixa de nos privar de conhecer outras pessoas (grupos grandes então nem pensar, pois os conflitos aparecem muito rapidamente).
- no inverno no Brasil (verão na Espanha) a diferença de fuso horário pode chegar a 5 horas. Portanto, sugiro pelo menos 2 dias para aclimatação, já que a movimentação no abrigo começa bem cedo (mais ou menos 5 da manhã - isso quer dizer acordar a meia-noite no nosso relógio biológico).
- Existem muitos abrigos durante todo o trajeto. E a maioria só aceita ciclistas depois das 3 da tarde, já que temos maior mobilidade. Se algum estiver completo, consultar o mapa e procurar o próximo. Mas sugiro não decidir procurar abrigo quando o cansaço já estiver extremo, pois pedalar mais 5 ou 10 km nessas condições pode ser um martírio.
- quanto à bicicleta, sugiro que seja a nossa mesmo, pois é ela que está adaptada a nós e, por conseguinte, a ela estamos adaptados. O aluguel de bicicletas não considero uma boa idéia, pois as que vi, não tinham aspecto de suportar distância tão grande e pedalar dias seguidos num equipamento ao qual não estamos adaptados pode se transformar em algo muito ruim. Levamos nossa “amiga” numa mala bike (não rígida) e na cidade que escolhemos para iniciar o Caminho, podemos comprar papel pardo e fita adesiva, fazemos um pacote e despachamos o embrulho contendo a mala pelo correio para nós mesmos em Santiago de Compostela. Algumas companhias aéreas cobram 100 dólares para levar a magrela. Ah, mochila, nem pensar!!! Temos que ter alforjes.
- Na preparação para a viagem, quando achar que está levando pouca coisa nos alforjes, retire a metade. Usamos muito pouca coisa durante o Caminho!! – pouquíssimas roupas, a menor quantidade possível de itens de higiene pessoal, a toalha pode ser uma fralda de pano (que pode ir secando no caminho enquanto pedalamos), um pouco de sabão em pó para lavar as roupas (sempre tem lugar para lavá-las nos abrigos), bastante bloqueador solar, a menor máquina fotográfica possível, uma generosa quantidade de itens para reparos de emergência para a bicicleta e para os pneus e sempre deixar um espaço para levar alimentos não perecíveis para comer nas pausas para descanso. E água, é claro.
- Mesmo no verão, quando são observadas temperaturas bem altas, as duas maiores montanhas que temos de vencer (Rabanal Del Camino e O Cebreiro) podem apresentar temperaturas baixas. Portanto, os alforjes devem conter alguns casacos leves e corta-vento. E nem pensar em fazer o caminho próximo ao inverno europeu.
O Caminho começa em Saint Jean Pied de Port no sul da França. Recomendo ir de avião até Pau – França e de lá seguir de trem até Saint Jean Pied de Port e voltar desde Santiago de Compostela.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Rio de Janeiro a Aparecida






Rio de Janeiro à Aparecida
7 de novembro de 2009



Além da distância desafiadora, pedalar até a cidade de Aparecida tem uma conotação simbólica, pois vemos no destino uma construção monumental, imponente e que atrai milhões de pessoas durante todos os anos, pois é o Santuário da Padroeira do Brasil. Se ainda tivermos a crença religiosa, mesmo que não fervorosa, no final da pedalada poderemos pedir graças à Nossa Senhora da Aparecida e ainda acender uma vela do nosso tamanho no tradicional candelabro coletivo.
Certamente é possível pedalar sozinho, mas com companhia, ainda mais com boas companhias, fica muito mais aprazível e mais seguro, já que qualquer problema é sempre dividido pelo grupo. Assim, convidei alguns amigos e acabou se formando um grupo de quatro ciclistas. Um possível problema já de inicio era a idade dos "meninos" – Fábio Pinaud com 36 anos, Roberto Tadao (Dum) com 31 e Diogo Carvalho (Mineiro) com 30 anos. Isso sem contar no fato de serem os três triatletas. Mas eles sabiam da responsabilidade de não deixar o "velho" para trás.
O dia "D" da cicloviagem foi sendo adiado por motivos profissionais até que se estabeleceu o dia 7 de novembro de 2009. E o planejamento inicial era fazer o percurso em duas etapas: a primeira até Penedo e, no dia seguinte, seguir até Aparecida.
Em função da segurança, não devemos começar exatamente no município de Rio de Janeiro, pois isso envolveria pedalar em vias expressas, com denso tráfego de veículos leves e pesados e de não contarmos com acostamento. Por isso combinamos para iniciar pouco depois da entrada principal de Nova Iguaçu, município vizinho, pois a partir dali já poderíamos contar com o acostamento da Rodovia Presidente Dutra e a quantidade de entradas e saídas da estrada ser em número menor, diminuindo a possibilidade de conflito com veículos. Além disso, o posto de gasolina que escolhemos tem uma boa área disponível para deixarmos o carro pernoitar, caso seja necessário. O posto em questão é um Shell, exatamente antes do estacionamento do Supermercado Makro (placa publicitária bem visível) a 13 km da saída da Linha Vermelha (km 181,5 da Dutra). Este será o nosso marco ZERO daqui pra frente.
Dois dias antes surgiu uma prova de fogo, quase literalmente: uma forte onde de calor começou a dominar o Estado do Rio, produzindo temperaturas acima dos 35º C, sempre com o sol brilhando inclemente, quase sem nuvens. Pensei em solicitar o adiamento da jornada, mas quando toquei no assunto não deram à mínima. Então como poderia o idealizador do passeio desistir?
Acordei às 4:30 hs e peguei minha carona pré-agendada com meu cunhado. Com alguns pequenos atrasos, o pedal propriamente dito começou às 06:40 hs, após aplicarmos uma generosa camada de bloqueador solar. O dia já estava claro, apesar do horário de verão e a ausência total de nuvens anunciava que o dia seria lindo, mas o "astro-rei" iria nos acompanhar bem de perto, o tempo todo. (altitude = 35m)


Ainda no primeiro quilômetro Dum soltou a primeira pérola:
- Aí galera, o que vocês acham da gente ir direto para Aparecida?
Cheguei a engolir em seco com a proposta, mas qualquer ponderação maior que eu fizesse, certamente eu seria sacaneado com coisas do tipo:
- qualé Velho, quer moleza, senta num pudim!!!
Mas mesmo assim falei que me reservaria o direito de dizer que o cansaço chegou, obrigando todos a parar.
Os primeiros quilômetros foram deliciosos. Como a orientação da Dutra é Leste-Oeste, tínhamos o sol ainda baixo às costas, projetando nossas sombras enormes à frente, duplicando a quantidade de ciclistas, já que quase sempre pedalávamos em duplas, revezando o pessoal da frente para permitir algum descanso no vácuo atrás (exceto eu, que fui até o final no vácuo). Além do mais, a temperatura estava muito agradável e o relevo quase perfeitamente plano.


Assim passamos pelas entradas de Queimados, Austin, Miguel Pereira e Seropédica, que pouco depois vem a primeira praça do pedágio (com um lugar especialmente deixado para a passagem de bicicletas). Logo depois a primeira subida, porém curta, que nos leva a 114 m de altitude (km 27,5) e depois nos brinda com uma longa e leve descida e mais uma parte plana, já quase sem habitações na margem, aumentando muito o prazer da pedalada.
Chegamos ao inicio da subida da Serra das Araras (altitude = 74 m – km 39,5) já com o sol um pouco mais forte e, consequentemente, com a temperatura em elevação. Mas durante a subida, devido ao relevo que escondia muito o sol ainda não muito alto, havia extensas áreas sombreadas, tornando a subida de 6,8 km, com inclinação média de 5,6% bem agradável. Um detalhe importante: há muitas bicas rústicas de água potável e geladinha na serra. Logicamente parei para o primeiro banho e aproveitei para reencher as caramanholas, que já estavam vazias.
No final da serra (altitude = 461 m) há uma lanchonete onde fizemos a primeira parada onde comemos pão de queijo e muita coca-cola estupidamente gelada.

Daí em diante um longo trecho plano ou com descidas e subidas leves. Região muito bonita, pois passamos bom tempo às margens da represa da Light. O sol ficava cada vez mais alto e a temperatura em elevação, mas temos que admitir que, apesar do calor enorme, a sensação térmica não era tão intensa por causa do vento produzido pela pedalada. Além do mais, estávamos propositadamente com roupas brancas, que ajuda a refletir o luz solar.
Problema mesmo era quando vinha uma subida um pouco mais longa, que diminuía muito a velocidade e nos fazia sentir como estava calor. Exatamente o que acontece pouco depois de Piraí (km 58,1) onde encontramos uma subida com 2,7 km de extensão e que começa aos 420 m e acaba aos 534 m de altitude, proporcionando uma inclinação média de 4,2%. Pouco mais adiante, antes da entrada de Volta Redonda (km 73,7), uma outra subida de 2,3 km, com 5,1% de inclinação (começa aos 401 m de altitude com 519 m no final). Que calor!!!!
Nessas subidas, que se repete em todas outras subidas maiores da rodovia, o acostamento dá lugar à terceira pista de rolamento, o que demanda maior atenção. Porém, os caminhões que ficam na direita são muito lentos, não comprometendo a segurança. Além do mais, são quase na sua totalidade gentis e se afastam para o centro.
Depois da entrada para Volta Redonda a característica do relevo não muda, nos permitindo uma velocidade média de mais de 25 km/h, fazendo a quilometragem do Cateye evoluir bastante. Após a entrada para Barra Mansa, o relevo também não muda. O que muda é o visual, pois ficamos um bom tempo com o Rio Paraíba do Sul bem lá em baixo, à direita, deixando a paisagem muito legal.
Demos uma pequena parada num posto da Policia Rodoviária Federal a procura de água e fomos bem recebidos. Caramanholas reenchidas continuamos até Resende, onde paramos na Lanchonete Olá, local da nossa primeira grande pausa.

Até aí tínhamos percorrido 116 km, pouco mais de 4 horas de pedal, sendo quase 5 horas no total, incluindo as paradas. Fizemos um bom lanche, muito líquido (Gatorade, Coca-Cola e Água) e antes de voltarmos para a estrada, tomamos banho na mangueira do posto de gasolina ao lado de forma que estávamos ensopados quando subimos nas bicicletas.
Aliás, esta prática foi repetida muitas vezes, pois era o período de sol escaldante. E pedalar com o corpo ensopado diminuía tremendamente a sensação térmica de calor. Mas era incrível como toda aquela água se evaporava rápido.
Cabe ressaltar que apenas 3 km adiante, quase na entrada principal de Resende, tem o Posto Embaixador, com lanchonete e restaurante refrigerados, enquanto o que paramos era mais simples. Porém, nossa aparência causada pelo suor excessivo, combinava melhor com algo mais simples. Além do mais, como as janelas da nossa lanchonete ficavam abertas, nossas bicicletas ficaram bem debaixo dos nossos olhares.
Estávamos cansados? Claro que sim. Mas o longo descanso nos deu ânimo novo. Por isso resolvi seguir viagem. Passamos pela entrada de Penedo (km 129,5), logo depois por Itatiaia, onde fica a segunda praça de pedágio e após mais uns 20 km, a fronteira dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo foi alcançada (km 152,3), com mais uma parada rápida para fotos das placas de sinalização.


Ao recomeçarmos a pedalada, ninguém conseguia esconder o cansaço. A essa altura, eu já tinha decidido que ia parar em Queluz, cerca de 8 km adiante. O sol estava causticante e o prazer do pedal caindo vertiginosamente. Mas pensei com meus botões, ou melhor, com minha bicicleta, que ia comunicá-los, de maneira irrevogável, pouco antes da entrada da cidade. O engraçado foi descobrirmos já em Aparecida, que todos estavam com sentimentos semelhantes, só que ninguém falava. Mas era notório porque pouco se conversava naquele momento. Porém, uma coisa mudou radicalmente os planos secretos de todos. Passamos pouco depois por uma placa gigantesca escrito: Aparecida – 71 km.

Foi um alvoroço. Todos diziam: - poxa, 71 km é menos do que qualquer treininho que a gente faz!!!! E o resultado, após todos escancararem seus cansaços, foi a decisão de ir em frente.
Ledo engano, pois foram os 71 km mais longos das nossas vidas. Primeiro porque logo após a entrada de Lavrinhas (km 174,2), tem uma subida que nos pareceu maior do que os 2,7 km de sua extensão, com 5% de inclinação (507 m a 642 m de altitude), realizada sob sol inclemente e uma sensação térmica absolutamente terrível. Fazemos uma descida nos levando de volta aos 552 m de altitude, depois um curtíssimo trecho plano e logo vem a outra subida (km 180,8) com 2,4 km e com os mesmos 5% de inclinação, terminando com 673 m de altitude. Esta, no entanto, foi executada sem o sol, já que uma nuvem salvadora resolveu dar o ar da graça.
Alguns fatos nos ajudaram: tivemos 4 paradas para troca de câmara de ar. Como é bom alguém furar pneu nessas horas. O problema é encontrar forças para colocar as 100 lbs necessárias de volta nos pneus.
Fizemos também mais duas paradas para banho de mangueira, sendo que num desses postos de gasolina, especializado em caminhões, havia um tonel refrigerado de água potável. Isso foi uma das coisas mais gostosas de toda a viagem, pois cada um derramou no seu corpo muito mais do que 10 caramanholas de água gelada.


Após essas duas subidas, já no município de Cachoeira Paulista, o relevo ficou como antes: longos trechos planos com leves subidas e descidas. Estávamos já em contagem regressiva para chegar. Apenas uma coisa nos dava ansiedade: a informação da quilometragem fornecida pelas placas de sinalização ou a dada por um funcionário da concessionária sobre o quanto faltava para o nosso destino. A diferença era de 5 km, sendo que no inicio, por uma reação humana, resolvemos acreditar na menor, dada pelo funcionário. Por incrível que pareça 5 km naquele momento fazia uma enorme diferença.
Quando faltavam 30 km, fomos alcançados pela minha esposa que, de carro, veio nos dar apoio, já que iríamos pernoitar em Aparecida e seria a condução de volta das bravas bicicletas. Ela parou num lugar seguro alguns metros adiante e abriu a janela para nos falarmos. Eu coloquei a cabeça dentro do carro para um beijo de saudação e aquele ar gelado do ar condicionado foi bastante convidativo. Mas claro que eu ia prosseguir!
Pouco depois veio a cidade de Guaratinguetá. Aí já era praticamente a reta final. Alguns poucos quilômetros adiante, 221,3 km, 8:51 hs de pedal e 11:23 hs de tempo total depois, chegamos à entrada de Aparecida (575 m de altitude). Uma sensação muito boa tomou conta de todos e comemoramos o feito diante de placa de sinalização na entrada da cidade.

A noite, um jantar de confraternização e o descanso merecido para que no dia seguinte pudéssemos visitar a Basílica e acender a vela com o nosso tamanho.

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Cabe ressaltar que Aparecida, apesar de receber uma quantidade enorme de turistas, romeiros e visitantes, não possui uma boa rede hoteleira. São muitos hotéis, mas são muito simples e mesmo assim, dependendo da época do ano, difícil de conseguir acomodação. Ficamos em dois quartos. Um sem ar condicionado. O outro com o aparelho, mas que só fazia barulho e refrigerava muito pouco. E como o calor estava intenso, fez uma falta danada.
Recomendo esta viagem a todo mundo que gosta de pedalar. Porém, creio que melhor conduta é ir até Penedo, mais ou menos metade do caminho, que tem uma rede hoteleira excelente e lá pernoitar, fazendo a segunda etapa no dia seguinte. Isso tem a vantagem de permitir a ida de familiares, namoradas (os), esposas, maridos, etc. O pedal até Penedo não é tão grande, sendo que a chegada lá se daria por volta da uma da tarde. Aí viria banho, descanso, uma social pela pequena e muito aprazível cidade (distrito de Resende), um jantar em ótimos restaurantes (o que também não se vê em Aparecida) e um bom descanso para a segunda pernada no dia seguinte até Aparecida. Outro detalhe importante é que sem o horário de verão, dificilmente chegaríamos ao destino ainda com luz natural.
As condições do piso do acostamento são quase na sua totalidade excelentes (com raríssimas exceções) para o uso de qualquer tipo de bicicleta, por isso melhor escolher as de estrada, por serem mais leves. São, no entanto, repletos de pequenos detritos, tais como pedriscos e restos de pneu, causados e deixados pela movimentação dos veículos, sendo que muitos infelizmente jogados como lixo pelos próprios usuários da estrada numa demonstração terrível de falta de educação. Dessa maneira, devemos estar sempre atentos e com os ciclistas da frente sinalizando para os de trás. O maior problema é a presença de cacos de vidros de antigos acidentes, que foram a causa de pelo menos dois furos de pneu.
Importante também salientar que, apesar da Rodovia Presidente Dutra possuir acostamentos largos, o mesmo não acontece na maioria das pontes do caminho, denunciando sua construção antiga. Por isso, todo cuidado é pouco ao passar por elas, ainda mais se estiver vindo uma carreta. E se vierem duas carretas, é melhor parar porque não vai haver lugar para a bicicleta.
Outro fator digno de nota ainda com relação às carretas é que quando estão em velocidade, o deslocamento do ar que provocam é muito grande, o que pode representar perigo. Portanto, quando o trecho da estrada for plano ou em declive, melhor ficar o mais longe possível da pista de rodagem.
Como não estava totalmente certo que teríamos o carro de apoio no final da viagem, fomos com uma pequena mochila nas costas levando o mínimo possível para permitir a troca de roupa, itens de higiene pessoal, documentos e alguma alimentação. A opção de fazer em duas etapas, com apoio de algum carro, torna a mochila desnecessária, pois ela pesa algumas toneladas no final.
O saldo final foi amplamente positivo e como disse o Fábio, poderemos contar muitas histórias aos netos no futuro, mas serão coisas verdadeiras.
Certamente repetirei a viagem.