domingo, 27 de dezembro de 2009
Rio de Janeiro a Aparecida
Rio de Janeiro à Aparecida
7 de novembro de 2009
Além da distância desafiadora, pedalar até a cidade de Aparecida tem uma conotação simbólica, pois vemos no destino uma construção monumental, imponente e que atrai milhões de pessoas durante todos os anos, pois é o Santuário da Padroeira do Brasil. Se ainda tivermos a crença religiosa, mesmo que não fervorosa, no final da pedalada poderemos pedir graças à Nossa Senhora da Aparecida e ainda acender uma vela do nosso tamanho no tradicional candelabro coletivo.
Certamente é possível pedalar sozinho, mas com companhia, ainda mais com boas companhias, fica muito mais aprazível e mais seguro, já que qualquer problema é sempre dividido pelo grupo. Assim, convidei alguns amigos e acabou se formando um grupo de quatro ciclistas. Um possível problema já de inicio era a idade dos "meninos" – Fábio Pinaud com 36 anos, Roberto Tadao (Dum) com 31 e Diogo Carvalho (Mineiro) com 30 anos. Isso sem contar no fato de serem os três triatletas. Mas eles sabiam da responsabilidade de não deixar o "velho" para trás.
O dia "D" da cicloviagem foi sendo adiado por motivos profissionais até que se estabeleceu o dia 7 de novembro de 2009. E o planejamento inicial era fazer o percurso em duas etapas: a primeira até Penedo e, no dia seguinte, seguir até Aparecida.
Em função da segurança, não devemos começar exatamente no município de Rio de Janeiro, pois isso envolveria pedalar em vias expressas, com denso tráfego de veículos leves e pesados e de não contarmos com acostamento. Por isso combinamos para iniciar pouco depois da entrada principal de Nova Iguaçu, município vizinho, pois a partir dali já poderíamos contar com o acostamento da Rodovia Presidente Dutra e a quantidade de entradas e saídas da estrada ser em número menor, diminuindo a possibilidade de conflito com veículos. Além disso, o posto de gasolina que escolhemos tem uma boa área disponível para deixarmos o carro pernoitar, caso seja necessário. O posto em questão é um Shell, exatamente antes do estacionamento do Supermercado Makro (placa publicitária bem visível) a 13 km da saída da Linha Vermelha (km 181,5 da Dutra). Este será o nosso marco ZERO daqui pra frente.
Dois dias antes surgiu uma prova de fogo, quase literalmente: uma forte onde de calor começou a dominar o Estado do Rio, produzindo temperaturas acima dos 35º C, sempre com o sol brilhando inclemente, quase sem nuvens. Pensei em solicitar o adiamento da jornada, mas quando toquei no assunto não deram à mínima. Então como poderia o idealizador do passeio desistir?
Acordei às 4:30 hs e peguei minha carona pré-agendada com meu cunhado. Com alguns pequenos atrasos, o pedal propriamente dito começou às 06:40 hs, após aplicarmos uma generosa camada de bloqueador solar. O dia já estava claro, apesar do horário de verão e a ausência total de nuvens anunciava que o dia seria lindo, mas o "astro-rei" iria nos acompanhar bem de perto, o tempo todo. (altitude = 35m)
Ainda no primeiro quilômetro Dum soltou a primeira pérola:
- Aí galera, o que vocês acham da gente ir direto para Aparecida?
Cheguei a engolir em seco com a proposta, mas qualquer ponderação maior que eu fizesse, certamente eu seria sacaneado com coisas do tipo:
- qualé Velho, quer moleza, senta num pudim!!!
Mas mesmo assim falei que me reservaria o direito de dizer que o cansaço chegou, obrigando todos a parar.
Os primeiros quilômetros foram deliciosos. Como a orientação da Dutra é Leste-Oeste, tínhamos o sol ainda baixo às costas, projetando nossas sombras enormes à frente, duplicando a quantidade de ciclistas, já que quase sempre pedalávamos em duplas, revezando o pessoal da frente para permitir algum descanso no vácuo atrás (exceto eu, que fui até o final no vácuo). Além do mais, a temperatura estava muito agradável e o relevo quase perfeitamente plano.
Assim passamos pelas entradas de Queimados, Austin, Miguel Pereira e Seropédica, que pouco depois vem a primeira praça do pedágio (com um lugar especialmente deixado para a passagem de bicicletas). Logo depois a primeira subida, porém curta, que nos leva a 114 m de altitude (km 27,5) e depois nos brinda com uma longa e leve descida e mais uma parte plana, já quase sem habitações na margem, aumentando muito o prazer da pedalada.
Chegamos ao inicio da subida da Serra das Araras (altitude = 74 m – km 39,5) já com o sol um pouco mais forte e, consequentemente, com a temperatura em elevação. Mas durante a subida, devido ao relevo que escondia muito o sol ainda não muito alto, havia extensas áreas sombreadas, tornando a subida de 6,8 km, com inclinação média de 5,6% bem agradável. Um detalhe importante: há muitas bicas rústicas de água potável e geladinha na serra. Logicamente parei para o primeiro banho e aproveitei para reencher as caramanholas, que já estavam vazias.
No final da serra (altitude = 461 m) há uma lanchonete onde fizemos a primeira parada onde comemos pão de queijo e muita coca-cola estupidamente gelada.
Daí em diante um longo trecho plano ou com descidas e subidas leves. Região muito bonita, pois passamos bom tempo às margens da represa da Light. O sol ficava cada vez mais alto e a temperatura em elevação, mas temos que admitir que, apesar do calor enorme, a sensação térmica não era tão intensa por causa do vento produzido pela pedalada. Além do mais, estávamos propositadamente com roupas brancas, que ajuda a refletir o luz solar.
Problema mesmo era quando vinha uma subida um pouco mais longa, que diminuía muito a velocidade e nos fazia sentir como estava calor. Exatamente o que acontece pouco depois de Piraí (km 58,1) onde encontramos uma subida com 2,7 km de extensão e que começa aos 420 m e acaba aos 534 m de altitude, proporcionando uma inclinação média de 4,2%. Pouco mais adiante, antes da entrada de Volta Redonda (km 73,7), uma outra subida de 2,3 km, com 5,1% de inclinação (começa aos 401 m de altitude com 519 m no final). Que calor!!!!
Nessas subidas, que se repete em todas outras subidas maiores da rodovia, o acostamento dá lugar à terceira pista de rolamento, o que demanda maior atenção. Porém, os caminhões que ficam na direita são muito lentos, não comprometendo a segurança. Além do mais, são quase na sua totalidade gentis e se afastam para o centro.
Depois da entrada para Volta Redonda a característica do relevo não muda, nos permitindo uma velocidade média de mais de 25 km/h, fazendo a quilometragem do Cateye evoluir bastante. Após a entrada para Barra Mansa, o relevo também não muda. O que muda é o visual, pois ficamos um bom tempo com o Rio Paraíba do Sul bem lá em baixo, à direita, deixando a paisagem muito legal.
Demos uma pequena parada num posto da Policia Rodoviária Federal a procura de água e fomos bem recebidos. Caramanholas reenchidas continuamos até Resende, onde paramos na Lanchonete Olá, local da nossa primeira grande pausa.
Até aí tínhamos percorrido 116 km, pouco mais de 4 horas de pedal, sendo quase 5 horas no total, incluindo as paradas. Fizemos um bom lanche, muito líquido (Gatorade, Coca-Cola e Água) e antes de voltarmos para a estrada, tomamos banho na mangueira do posto de gasolina ao lado de forma que estávamos ensopados quando subimos nas bicicletas.
Aliás, esta prática foi repetida muitas vezes, pois era o período de sol escaldante. E pedalar com o corpo ensopado diminuía tremendamente a sensação térmica de calor. Mas era incrível como toda aquela água se evaporava rápido.
Cabe ressaltar que apenas 3 km adiante, quase na entrada principal de Resende, tem o Posto Embaixador, com lanchonete e restaurante refrigerados, enquanto o que paramos era mais simples. Porém, nossa aparência causada pelo suor excessivo, combinava melhor com algo mais simples. Além do mais, como as janelas da nossa lanchonete ficavam abertas, nossas bicicletas ficaram bem debaixo dos nossos olhares.
Estávamos cansados? Claro que sim. Mas o longo descanso nos deu ânimo novo. Por isso resolvi seguir viagem. Passamos pela entrada de Penedo (km 129,5), logo depois por Itatiaia, onde fica a segunda praça de pedágio e após mais uns 20 km, a fronteira dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo foi alcançada (km 152,3), com mais uma parada rápida para fotos das placas de sinalização.
Ao recomeçarmos a pedalada, ninguém conseguia esconder o cansaço. A essa altura, eu já tinha decidido que ia parar em Queluz, cerca de 8 km adiante. O sol estava causticante e o prazer do pedal caindo vertiginosamente. Mas pensei com meus botões, ou melhor, com minha bicicleta, que ia comunicá-los, de maneira irrevogável, pouco antes da entrada da cidade. O engraçado foi descobrirmos já em Aparecida, que todos estavam com sentimentos semelhantes, só que ninguém falava. Mas era notório porque pouco se conversava naquele momento. Porém, uma coisa mudou radicalmente os planos secretos de todos. Passamos pouco depois por uma placa gigantesca escrito: Aparecida – 71 km.
Foi um alvoroço. Todos diziam: - poxa, 71 km é menos do que qualquer treininho que a gente faz!!!! E o resultado, após todos escancararem seus cansaços, foi a decisão de ir em frente.
Ledo engano, pois foram os 71 km mais longos das nossas vidas. Primeiro porque logo após a entrada de Lavrinhas (km 174,2), tem uma subida que nos pareceu maior do que os 2,7 km de sua extensão, com 5% de inclinação (507 m a 642 m de altitude), realizada sob sol inclemente e uma sensação térmica absolutamente terrível. Fazemos uma descida nos levando de volta aos 552 m de altitude, depois um curtíssimo trecho plano e logo vem a outra subida (km 180,8) com 2,4 km e com os mesmos 5% de inclinação, terminando com 673 m de altitude. Esta, no entanto, foi executada sem o sol, já que uma nuvem salvadora resolveu dar o ar da graça.
Alguns fatos nos ajudaram: tivemos 4 paradas para troca de câmara de ar. Como é bom alguém furar pneu nessas horas. O problema é encontrar forças para colocar as 100 lbs necessárias de volta nos pneus.
Fizemos também mais duas paradas para banho de mangueira, sendo que num desses postos de gasolina, especializado em caminhões, havia um tonel refrigerado de água potável. Isso foi uma das coisas mais gostosas de toda a viagem, pois cada um derramou no seu corpo muito mais do que 10 caramanholas de água gelada.
Após essas duas subidas, já no município de Cachoeira Paulista, o relevo ficou como antes: longos trechos planos com leves subidas e descidas. Estávamos já em contagem regressiva para chegar. Apenas uma coisa nos dava ansiedade: a informação da quilometragem fornecida pelas placas de sinalização ou a dada por um funcionário da concessionária sobre o quanto faltava para o nosso destino. A diferença era de 5 km, sendo que no inicio, por uma reação humana, resolvemos acreditar na menor, dada pelo funcionário. Por incrível que pareça 5 km naquele momento fazia uma enorme diferença.
Quando faltavam 30 km, fomos alcançados pela minha esposa que, de carro, veio nos dar apoio, já que iríamos pernoitar em Aparecida e seria a condução de volta das bravas bicicletas. Ela parou num lugar seguro alguns metros adiante e abriu a janela para nos falarmos. Eu coloquei a cabeça dentro do carro para um beijo de saudação e aquele ar gelado do ar condicionado foi bastante convidativo. Mas claro que eu ia prosseguir!
Pouco depois veio a cidade de Guaratinguetá. Aí já era praticamente a reta final. Alguns poucos quilômetros adiante, 221,3 km, 8:51 hs de pedal e 11:23 hs de tempo total depois, chegamos à entrada de Aparecida (575 m de altitude). Uma sensação muito boa tomou conta de todos e comemoramos o feito diante de placa de sinalização na entrada da cidade.
A noite, um jantar de confraternização e o descanso merecido para que no dia seguinte pudéssemos visitar a Basílica e acender a vela com o nosso tamanho.
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Cabe ressaltar que Aparecida, apesar de receber uma quantidade enorme de turistas, romeiros e visitantes, não possui uma boa rede hoteleira. São muitos hotéis, mas são muito simples e mesmo assim, dependendo da época do ano, difícil de conseguir acomodação. Ficamos em dois quartos. Um sem ar condicionado. O outro com o aparelho, mas que só fazia barulho e refrigerava muito pouco. E como o calor estava intenso, fez uma falta danada.
Recomendo esta viagem a todo mundo que gosta de pedalar. Porém, creio que melhor conduta é ir até Penedo, mais ou menos metade do caminho, que tem uma rede hoteleira excelente e lá pernoitar, fazendo a segunda etapa no dia seguinte. Isso tem a vantagem de permitir a ida de familiares, namoradas (os), esposas, maridos, etc. O pedal até Penedo não é tão grande, sendo que a chegada lá se daria por volta da uma da tarde. Aí viria banho, descanso, uma social pela pequena e muito aprazível cidade (distrito de Resende), um jantar em ótimos restaurantes (o que também não se vê em Aparecida) e um bom descanso para a segunda pernada no dia seguinte até Aparecida. Outro detalhe importante é que sem o horário de verão, dificilmente chegaríamos ao destino ainda com luz natural.
As condições do piso do acostamento são quase na sua totalidade excelentes (com raríssimas exceções) para o uso de qualquer tipo de bicicleta, por isso melhor escolher as de estrada, por serem mais leves. São, no entanto, repletos de pequenos detritos, tais como pedriscos e restos de pneu, causados e deixados pela movimentação dos veículos, sendo que muitos infelizmente jogados como lixo pelos próprios usuários da estrada numa demonstração terrível de falta de educação. Dessa maneira, devemos estar sempre atentos e com os ciclistas da frente sinalizando para os de trás. O maior problema é a presença de cacos de vidros de antigos acidentes, que foram a causa de pelo menos dois furos de pneu.
Importante também salientar que, apesar da Rodovia Presidente Dutra possuir acostamentos largos, o mesmo não acontece na maioria das pontes do caminho, denunciando sua construção antiga. Por isso, todo cuidado é pouco ao passar por elas, ainda mais se estiver vindo uma carreta. E se vierem duas carretas, é melhor parar porque não vai haver lugar para a bicicleta.
Outro fator digno de nota ainda com relação às carretas é que quando estão em velocidade, o deslocamento do ar que provocam é muito grande, o que pode representar perigo. Portanto, quando o trecho da estrada for plano ou em declive, melhor ficar o mais longe possível da pista de rodagem.
Como não estava totalmente certo que teríamos o carro de apoio no final da viagem, fomos com uma pequena mochila nas costas levando o mínimo possível para permitir a troca de roupa, itens de higiene pessoal, documentos e alguma alimentação. A opção de fazer em duas etapas, com apoio de algum carro, torna a mochila desnecessária, pois ela pesa algumas toneladas no final.
O saldo final foi amplamente positivo e como disse o Fábio, poderemos contar muitas histórias aos netos no futuro, mas serão coisas verdadeiras.
Certamente repetirei a viagem.
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Olá! Gostaria de dizer que :
ResponderExcluireu não fui pedalando,mas participei com todo carinho desta aventura ... esse cara é muiiito bom e eu amo amo amo ...
certamente repetirei a viagem com você,
Laia